A cannabis e o lúpulo parecem uma combinação inesperada. No entanto, estas duas plantas têm muito mais em comum do que parece. Ambas pertencem à mesma família botânica e possuem tricomas que produzem produtos químicos semelhantes. Além disso, a maconha continua sendo uma das substâncias recreativas mais consumidas, enquanto o lúpulo está presente em praticamente todas as cervejas do mercado. Quer você beba ou fume, consuma pelo menos uma dessas plantas sempre que sentir vontade de alterar a química do seu cérebro.

Um tempo atrás, surgiram novas evidências que colocam o lúpulo ainda mais próximo da cannabis no cenário botânico: a presença de canabinoides. No início, essas descobertas fizeram com que o lúpulo fosse visto sob uma luz diferente. Empreendedores esperançosos começaram a se interessar pela planta como uma fonte de CBD e outros compostos valiosos. No entanto, este sonho, fabricado em parte por um gênio irrealista, rapidamente desapareceu.

Cannabis e lúpulo: primos da família Cannabaceae

Há um número surpreendente de plantas que se parecem com a cannabis. Porém, apesar de sua aparência, poucas estão relacionadas à erva. Os taxonomistas de plantas classificam as espécies em grupos maiores com base em vários fatores, incluindo características morfológicas e genéticas. Algumas famílias de plantas são muito numerosas; A família do feijão (Fabaceae) contém cerca de 765 gêneros e aproximadamente 20.000 espécies; A família das abóboras (Cucurbitaceae) contém 95 gêneros com 965 espécies. Em contraste, a família da maconha, conhecida como Cannabaceae, contém apenas 11 gêneros com 170 espécies no total.

Tanto a cannabis quanto o lúpulo são os membros mais conhecidos das canabáceas. O gênero Cannabis consiste em uma única espécie dividida em subespécies: Cannabis sativa, Cannabis indica e Cannabis ruderalis. O gênero Humulus (lúpulo) possui oito espécies únicas, sendo o Humulus lupulus o mais utilizado na produção de cerveja e produtos farmacêuticos ou cosméticos.

Semelhanças entre maconha e lúpulo

A cannabis e o lúpulo têm hábitos de crescimento e características morfológicas muito diferentes. No entanto, também compartilham uma série de características físicas que contribuem para o seu agrupamento sob a égide das cannabáceas. Esses incluem:

– Natureza dioica: tanto a maconha quanto o lúpulo são plantas dioicas. Ao contrário das espécies monoicas, que possuem órgãos sexuais masculinos e femininos, as espécies dioicas possuem apenas órgãos masculinos ou femininos em plantas separadas.

Polinização pelo vento: a maconha e o lúpulo liberam grandes quantidades de pólen quando o vento sopra, o que fertiliza as flores femininas próximas ao entrar em contato. Em comparação com outras plantas, as espécies polinizadas pelo vento são muito menos dependentes de insetos polinizadores, como as abelhas.

– Tricomas glandulares: as flores de cannabis possuem uma espessa camada de tricomas glandulares. Estas pequenas estruturas produzem muitos dos metabolitos secundários que dão valor à planta, tais como canabinoides e terpenos. Da mesma forma, o lúpulo também possui tricomas glandulares na forma de glândulas de lupulina.

– Biossíntese de compostos terpenofenólicos: os canabinoides encontrados na maconha, como THC e CBD, possuem uma estrutura terpenofenólica, parte terpeno e parte fenol. Alguns dos compostos produzidos pelas glândulas de lupulina das plantas de lúpulo também se enquadram nesta categoria de metabólitos secundários.

Lúpulo e canabinoides: uma análise

O lúpulo produz compostos estruturalmente semelhantes aos da cannabis, e também consegue isso através de vias biossintéticas nos tricomas glandulares. Mas será que o lúpulo produz canabinoides como o CBD? Para ser franco: não.

O código genético e, portanto, as vias biossintéticas da cannabis e do lúpulo são diferentes. A cannabis possui maquinaria celular, ou seja, enzimas e o DNA que as codifica, capazes de converter precursores em ácidos canabinoides. Fatores ambientais, como o calor, convertem estes precursores em canabinoides como o THC e o CBD.

O lúpulo simplesmente não possui o DNA necessário para criar as enzimas, conhecidas como canabinoides sintases, para converter determinados produtos químicos em precursores de canabinoides. No entanto, o lúpulo sintetiza vários dos terpenos presentes na cannabis, e alguns destes compostos influenciam o sistema endocanabinoide, a rede ativada pelo THC e outros canabinoides. Antes de nos aprofundarmos neste tópico fascinante, vamos primeiro descobrir como o lúpulo rapidamente se tornou uma fonte promissora de canabinoides.

Descobrindo o lúpulo: desmascarando uma farsa

Uma patente de planta registrada nos Estados Unidos em 2020 quase mudou o mundo da produção de canabinoides para sempre. Os autores do artigo revelaram as propriedades de uma nova espécie de lúpulo chamada Humulus kriya, originada pela hibridização cruzada de variedades selvagens de Humulus yunnanensis encontradas em Pekong, Índia.

A patente contém dados cromatográficos de diversas amostras de Humulus kriya e afirma que o método de análise molecular descobriu a presença de canabinoides anteriormente encontrados na cannabis. Estes incluem canabigerol (CBG), canabicromeno (CBC), canabidiol (CBD), canabielsoína (CBE) e canabidivarina (CBDV).

Mesmo antes da apresentação desta patente, o investigador responsável por estas descobertas, Dr. Bomi Joseph, tinha fechado acordos com empresas de CBD e até começado a trabalhar em produtos específicos de lúpulo com CBD. A ideia de que o lúpulo continha CBD e outros canabinoides entusiasmou a indústria. Uma planta que contivesse CBD, não tivesse THC e não tivesse o estigma regulamentar da maconha poderia ter-se revelado uma mina de ouro botânica. No entanto, este castelo de cartas logo desabou.

Um artigo de revisão publicado no Sage Journals em 2022 chamou este esquema de “um grande exemplo de falsificação e fraude, que vale a pena lembrar para dar uma ideia de como os interesses comerciais e um mercado em grande parte não são regulamentados como os fitocanabinóides ‘dietéticos’ podem promover a pseudociência”. Esta resposta dura veio depois de descobrir que o trabalho de Joseph era pouco mais que uma farsa. A investigação original apareceu numa revista científica recentemente criada, o artigo plagiou a literatura existente sobre o CBD e o próprio Joseph revelou-se um charlatão já conhecido pelas autoridades.

Lúpulo e canabimiméticos

O lúpulo não contém CBD, mas isso não significa que não funcione de forma semelhante à cannabis no corpo. As espécies de lúpulo produzem grandes quantidades de terpenos aromáticos, razão pela qual os cervejeiros os utilizam nas cervejas. De todos os terpenos encontrados no lúpulo, a molécula de humuleno é uma das mais predominantes. Um artigo publicado em 2021 na revista Scientific Reports descobriu que o humuleno, junto com o pineno, o linalol e o geraniol, ativa o receptor CB1 em estudos celulares, o mesmo local que o THC ativa para produzir alguns de seus efeitos. Devido à forma como interagem com os receptores no sistema endocanabinoide, os investigadores apelidaram estes compostos não canabinoides de “canabimiméticos”.

A maconha e o lúpulo funcionam juntos?

O lúpulo contém muitos terpenos e novas pesquisas sugerem que os canabinoides e os terpenos trabalham em conjunto para amplificar os seus efeitos benéficos. Seguindo esta lógica, faz sentido que a erva e o lúpulo sejam uma combinação terapêutica promissora.

Uma sinergia, em teoria

Até há relativamente pouco tempo, a cannabis e o THC permaneciam sinônimos, um fato evidenciado pelos esforços de cultivo centrados quase exclusivamente em concentrações mais elevadas desse canabinoide. No entanto, pesquisas recentes abriram uma lacuna entre o composto e a planta, revelando que existem muitos outros fatores que contribuem para os efeitos globais de cada variedade.

A teoria em desenvolvimento do efeito entourage postula que muitos compostos diferentes encontrados na maconha trabalham em harmonia para produzir resultados diferentes. Pense nisto: quase todos os híbridos modernos contêm altos níveis de THC, mas muitos deles exercem um efeito subjetivo diferente. Porque? Porque possuem diferentes níveis de outros fitoquímicos, incluindo terpenos.

As primeiras pesquisas sugerem que diferentes terpenos amplificam os efeitos de diferentes canabinoides. A cannabis contém mais de 150 terpenos e 100 canabinóides, todos expressos em diferentes concentrações dependendo das variedades. A descoberta do efeito entourage fez com que muitos consumidores se afastassem da abordagem centrada no THC ao cultivar suas plantas e usar produtos isolados em geral, tornando-se conscientes da sinergia molecular e consumindo produtos de espectro total (full spectrum).

Um emparelhamento na prática

Portanto, sabemos que o lúpulo não contém canabinoides, mas produz terpenos. Sabemos também que os terpenos e os canabinoides partilham uma relação sinérgica que resulta em uma modulação dos efeitos subjetivos da erva. Em teoria, ao combinar lúpulo e cannabis, deveríamos esperar algum tipo de interação entre os compostos químicos de ambas as plantas.

A investigação continua escassa nesta área e deixa muitas questões sem resposta. Para compreender melhor o seu potencial conjunto, uma equipe de pesquisadores alemães coadministrou CBD e um extrato de lúpulo enriquecido com terpeno e aplicou-os a um modelo celular de inflamação. Comparado com o CBD aplicado isoladamente, o tratamento duplo exerce um efeito anti-inflamatório adicional, levando os investigadores a concluir que a combinação de CBD e outras fitomoléculas poderia servir como um futuro tratamento para doenças inflamatórias.

Este estudo utiliza CBD isolado juntamente com um extrato de terpeno. Embora útil na tentativa de compreender e quantificar os efeitos de moléculas específicas, não revela os efeitos potenciais de extratos de espectro total usados ​​em paralelo. Esperamos que pesquisas futuras ajudem a esclarecer esse aspecto.

A ligação entre a cerveja e a maconha

Apesar da ausência de CBD e de outros canabinoides no lúpulo, a planta partilha muitas semelhanças com a cannabis, fazendo parte da mesma família botânica e ambas contendo toneladas de terpenos. A presença destes produtos químicos cria uma ligação inesperada entre a cannabis e a cerveja.

Ao fumar maconha, o THC é o núcleo da experiência, mas os terpenos ajudam a guiar a sensação de euforia. Ao beber cerveja, o etanol proporciona a sensação de intoxicação, mas os terpenos derivados do lúpulo também influenciam os efeitos, em parte devido à sua ação sedativa.

Lúpulo e maconha: mais semelhantes do que diferentes

Apesar das tentativas fraudulentas de popularizar o lúpulo como fonte de CBD, a planta não contém canabinoides. No entanto, é carregado com terpenos que o tornam um ingrediente promissor e potencializar da erva em receitas botânicas. À medida que surgem mais estudos, poderemos ver fabricantes utilizando lúpulo em produtos fitoterápicos para aproveitar o efeito comitiva entre as duas espécies.

Referência de texto: Royal Queen

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