Era um sábado de céu aberto, com um sol de lascar. Saí de Curitiba pela manhã para chegar em Florianópolis pouco antes do meio dia. E não deu outra, mal botei os pés para fora da rodoviária e a primeira coisa que fiz foi bolar um baseado. Unir a minha brisa com a brisa que sopra do mar para dentro da ilha catarinense.

Enquanto queimava o baseado, eu caminhava pela região central de Florianópolis planejando mentalmente qual seria o programa para o dia. Mas o sol chegou à posição do meio dia, e em pouco tempo ficou insuportável ficar fora de um lugar sem sombra. A língua começou a secar, e o estômago a roncar. Precisava urgentemente de uma cerveja para molhar a garganta, e de um rango para matar a larica.

Consegui a cerveja e fui me sentar em um banco na sombra de uma árvore. Comecei a pensar onde iria comer. Eis que, poucos metros à minha frente, uma forte fumaça de cheiro familiar me chamou atenção. Em meio à maresia, um grupo de cinco hippies conversava e fumava maconha tranquilamente. Logo pensei “porra, esses caras devem estar com fome também, e eles devem saber onde tem um rango do bom”.

Cheguei na maior humildade no grupo e comecei a trocar ideia. “Opa, licença. Eu sou de Curitiba e cheguei agora em Floripa. Tava fumando um e bateu uma larica, aí vi vocês sentados aqui fumando um também e pensei que vocês deveriam saber de um lugar de boa para comer um rango”. Após me explicar a situação, um dos hippies, que usava brinco de penas, sorriu para mim e acabou respondendo pelo grupo. “Pô maluco, tu veio de Curitiba hein? Ó, a gente sabe de um lugar com um feijão bom e barato. Cola aqui com a gente que depois vamos todos lá encher o bucho”.

Assim que me juntei ao grupo, um outro hippie tira da mala uma murruga. Consigo sentir o cheiro cítrico da outra extremidade da pequena roda. Ele pica a flor com a tesoura de um canivete e faz um baseado, que logo começa a passar de mão em mão, deixando todos chapados.

Ao fim do baseado, nos levantamos e começamos andar pelas ruas centrais de Florianópolis. Eu não tinha a mínima ideia para onde estava indo, mas o hippie dos brincos de penas falava que eu estava prestes a comer o melhor feijão da cidade em um local pouco conhecido pelas pessoas.

Chegamos a uma casa antiga de fechada laranja. Sem sofisticação, com mesas de madeira e toalhas de plástico. Nos ajeitamos em uma mesa grande e pedimos um feijão e cerveja. Estava todo mundo visivelmente chapado, com olhos vermelhos e movimentos lentos. Assim que a panela de feijão chegou, não deu outra, ela foi atacada imediatamente.

Panela vazia, mas a larica ainda roncava. Pedimos mais um feijão e mais uma cerveja. Assim que a garçonete levou nosso pedido para cozinha, um caminhão parou em frente ao restaurante, e dele desceram cinco indivíduos muito estranhos. Estavam todos muito elétricos, e assim que se ajeitaram em uma mesa, começaram a gritar para a garçonete: “FEIJÃO, FEIJÃO, FEIJÃO!”. A moça claramente ouviu o pedido e logo o levou para a cozinha.

Minutos depois, os cinco indivíduos começaram a gritar da mesa em que estavam para garçonete que saia da cozinha trazendo uma panela de feijão. “UH UH UH FEIJÃO! UH UH UH FEIJÃO!”. Mas ao invés de ir para a mesa deles, o feijão veio para a nossa mesa. Então, começou uma revolta no restaurante.

“Ei, que porra é essa?!” gritou um dos indivíduos. “Os caras pegaram o nosso feijão!”. Então, nossa mesa logo foi cercada pelos cinco caras, que agora mais de perto, percebi que estavam com os olhos arregalados e com as narinas vermelhas. “Ô seus maconheiros, cês estão com o nosso feijão.”. O hippie dos brincos de penas então, de forma muito calma, respondeu “bicho, calma ae, cês chegaram depois, nós pedimos o feijão antes de vocês”. Mas parece que a explicação não acalmou a situação.

“Que que você tá falando meu, você tá chapado, tá doidão! Esse feijão é nosso!”. Não houve confronto. Ainda estávamos chapados pela murruga, o que nos impossibilitava de brigar com os caras. Então, o japonês do grupo do caminhão tirou a panela do centro da nossa mesa e levou até a deles. Felicidade para os indivíduos, tristeza para os maconheiros.

Mas para a nossa felicidade, veio a garçonete trazendo uma panela de feijão. Ela viu que os indivíduos tinham pegado o nosso feijão, então a panela que era para ser deles, ela trouxe para a nossa mesa. A tristeza que tomava conta dos hippies, logo foi substituída pela alegria de ver a panela cheia de feijão na mesa.

Comemos o feijão na maior felicidade, como se nada tivesse acontecido. Depois de algum tempo os indivíduos, gritando e batendo os pés, foram embora no caminhão. Confesso que fiquei com uma certa raiva daqueles caras, mas sabia que era irrelevante cultivar um sentimento negativo por pessoas que eu nunca mais veria na vida.

Meses mais tarde vi na televisão que um avião havia caído com cinco caras dentro. Vi a foto dos envolvidos no acidente e juro que achei que eram os caras do feijão. Mas sou maconheiro, e confesso que às vezes não sei a diferenciar a memória do delírio.

Por Francisco Mateus

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