Dar tratos à bola e levantar fumaça. Estar no meio é jornalístico é ter que se contentar com duas realidades opostas convivendo em um status quo difícil de se quebrar. Pode ser que nas redações dos jornais o uso e a visão liberal da maconha sejam algo normal entre os jornalistas, mas a posição sobre a erva quando abordada em matérias nos jornais impressos e portais de notícias acabam pendendo para uma linha conservadora.

Existe a influência da linha editorial dos jornais em cima das matérias produzidas pelos jornalistas, mas há também aquela velha história de separar o “pessoal do profissional”. Na faculdade de jornalismo muito se fala sobre “imparcialidade”. Mas convenhamos, não há nada mais broxante do que a “imparcialidade”, essa posição passiva que, ao tentar dar espaço para duas realidades acerca de um tema, no fim apenas contribui para a estagnação de um assunto que precisa sim ser discutido com o público.

Durante meus anos na faculdade de jornalismo, foram poucas as matérias sobre maconha que li que pendiam para o lado dos usuários, de forma a explicar porque essas pessoas gostam de ficar chapadas e porque elas não podem ser colocadas na mesma caixa dos dependentes de álcool e drogas pesadas. A violência do tráfico, as mega apreensões, as operações policiais e o crescente problema de saúde pública são temas recorrentes nos noticiários, e que acabam por reforçar muitos estereótipos acerca dos usuários de drogas.

Certa noite, revoltado com toda essa passividade jornalística, fui fumar um baseado e ouvir um disco do Erasmo Carlos. Desde o meu primeiro ano de faculdade eu havia decidido que meu trabalho de conclusão de curso seria um livro, mas poucas semanas antes de iniciar o tcc eu ainda não tinha tema. E foi ao soltar fumaça para o ar que me veio a ideia do tema: a maconha pelos usuários.

Foi nessa época, no primeiro semestre de 2017, que comecei a colaborar com o DaBoa Brasil escrevendo ensaios e contos canábicos. Escrever para um blog especializado em maconha foi importante para o enriquecimento da minha bagagem sobre o assunto e também para conhecer pessoas que no fim viriam a colaborar com o livro, como a Margaret Britto e também o Francesco Ribeiro da Revista Maconha.

Decidi que iria escrever um livro que não só desconstruísse a cultura e a forma de pensar dos usuários, mas que também fizesse um recorte sobre a realidade atual dos maconheiros brasileiros. E para escrever essa reportagem, eu iria utilizar o jornalismo gonzo do Hunter Thompson (famoso pelo livro Medo e Delírio em Las Vegas, que foi adaptado para o cinema e teve Johnny Depp no papel principal), vertente do jornalismo em que o repórter assume uma posição parcial e mergulha de cabeça na pauta, a ponto de, por causa do uso de drogas, mesclar a realidade com delírios lisérgicos.

Foram seis longos meses de trabalho, várias madrugadas de pesquisa e muitas horas dedicadas à escrita. A trama do livro Tratos à Bola, escrito em primeira pessoa, se passa entre Curitiba e o Rio de Janeiro, para assim mostrar o contraste no uso da maconha que há entre as cidades. A obra é dividida em cinco capítulos: Aperta, Acende, Puxa, Prende e Passa. Por mais que o foco central seja o uso recreativo e o cultivo de maconha, a questão cultural, antropológica, medicinal, econômica e jurídica ganha um forte enfoque.

O livro Tratos à Bola foi finalizado em novembro de 2017, mas muitas questões foram deixadas de lado e alguns assuntos foram abordados sem muita profundidade por conta do tempo limitado de produção da obra, já que se tratava de um trabalho acadêmico. Mas o objetivo do livro, de assumir o papel de jornalista maconheiro para falar sobre maconha e seus usos na forma mais aberta possível foi atingido. Tanto é que em maio de 2018 a obra ganhou o segundo lugar no 22º Prêmio Sangue Novo no Jornalismo Paranaense na categoria livro-reportagem.

Mas pedra que não rola, cria limo. Por isso, a fim de divulgar o livro enquanto ele não é editado por uma editora, foram impressos 100 exemplares que já estão se esgotando, mas que ainda podem ser comprados por encomenda.

Texto: Francisco Mateus
Foto: Annelize Tozetto

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